sexta-feira, 17 de abril de 2015

Têmpora

Meus olhos corriam por sobre um bom texto de Poe e minha concentração corria por aí; Possivelmente no mundo em que Platão diz estarem as ideias. Talvez nem isso.
Eu usava fones de ouvido, daquele modelo que parece um colar, cujo design dá um toque de turista à roupa do cotidiano. Escutava canções do Zeca Baleiro, como fizera por um mês inteiro, de nome, senão assustadoramente oportuno, pelo menos conveniente, "Nalgum lugar". No rosto, o óculos de grau, que compunha também a cena; lentes redondas em baixo, seguradas pelo nylon, armação preta. Negra como o desmaiar daquele dia.
Uma noite comum, e como em noites comuns, você deve saber, eu transpiro pensamentos. A cabeça - evito lembrar, pois a menor referência à dor parece chamá-lá de volta como num encantamento - sofre como que pela expansão de uma câmara de ar que pediria pra explodir. Eu estava cansado e, se fechasse os olhos, via uns delineamentos cromáticos, brilhando como o sol em um CD.
Toquei minhas têmporas, uma mão em cada lado, como se eu pudesse conter a dor. Pressionei dois dedos em cada mão, em sentidos opostos. Moveram-se os quatro em um movimento síncrono de encontro uns aos outros, apertando nalgum lugar que não pude definir, por três vezes, em intervalos regulares de mais ou menos dois terços de segundo, em adágio, e a música do Baleiro então pausou sequentemente, seguindo o ritmo dos meus dedos; depois disso, a canção seguinte "Quase nada" tocou - nome da qual me fez meticuloso na ocasião. "De você sei quase nada", era o trecho inicial, e se esse pronome de tratamento pode ser referenciador de um fato sinistro, foi fortuito à expressão do que eu sentia.
Um espanto imediato surgiu de não sei onde, e ninguém deve saber, nem mesmo você. Olhei pros lados para conferir quantas pessoas tinham percebido esse acidente descompassado sem me dar conta no primeiro instante de que as circunstâncias não davam razão para aquilo. Os sons que eu ouvia estavam restritos aos meus próprios ouvidos, como já devo te ter feito notar, e ninguém dava a mínima pras vezes em que apertei minha cabeça.
Com medo, mas curioso, apertei repetida e exaustivamente as extremidades ao lado do supercílio das mais diversas maneiras tentando encontrar o lugar certo, o botão, pra suspender a música novamente. Sem efeito excedente à grande inquietação.
Minha reação, que me serviu de escape, foi escrever. O celular estava próximo, o aplicativo em que guardo minhas notas, de fácil acesso; escrevi. Agora compartilho minha curiosidade, e talvez meu terror, com você.

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