sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O nascimento do poema

Não!
Parem de achar que é o poeta quem faz o poema.
O poema acontece, imprevisível
Como um filho não planejado
É um nascimento, um ser vivo e amado.

De uma transa entre o amor e a palavra, filhos.
Nenhum deles amoroso
Nenhum deles é saudoso
Todos são sombrios.

Que maravilhosamente esquisitas foram as Cesárias
daqueles meninos e meninas poemas
Poemas machos, poesia fêmea
Eu, poeta obstetra, tiro várias
Conclusões precipitadas
Enquanto o amor faz planos
E dá nome a seus filhinhos
Me pedindo opinião. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O PASSAro

Foi rápido como o pouso do sabiá
Cansado e cheio de tédio
Sobre a árvore desavisada,
Cravada em solo fértil
A mais confortável à primeira vista.

A árvore se afeiçoou, ao perceber afeto
Engrandeceu o pássaro cantor
O fez sentir-se ave de rapina
Ofereceu-lhe privilégios
Fortuna que ave nenhuma jamais tivera
O lugar mais alto e distinto
Que uma planta já concedeu.
Sombra, abrigo, galhos, suporte.
Num parque de diversão rústico, uma selva de boas intenções.
Uma mais tentadora que a outra.

O sabiá alegrou-se, cantou
Regozijou-se dos prazeres gratuitos
E criou confiança em si.

Quanta felicidade havia no passarinho.
As cantorias sem controlar volume.
O alimento que caminhava na direção do seu papo.
A dança do troca-pés
O rebolar desengonçado
E aquela euforia toda num mero assobiar!

Numa dessas desatentas trocas de pés
Cortou a pata, o sabiá
Num dos muitos espinhos espalhados
Que por cansaço ou impaciência nunca quis notar.
Andou tão pouco 
Naqueles ramos tão premeditadamente bonitos
E cortou a pata.
Saiu, ainda de asas um pouco cansadas, a voar.
Formoso em seu planar, como sempre será,
E seguro de que aquela árvore o sentiu pela última vez.

Olha a árvore
Apaixonou-se pelo sabiá
Mas esqueceu que o voo é a maior felicidade do pássaro
E não o pouso pra descansar.

É um vento com odor de saliva
Que agora move as folhas que ainda seguram-se verdes.
É a gravidade, recheada de peso pela saudade,
Que agora curva o caule antes tão ereto.
É a terra desnutrida que criou um tubérculo
Que agora figura no lugar de uma raiz.